O cálculo parece simples, mas a equação é complexa. O país formou, em 2010, pouco mais de 38 mil engenheiros, mas precisaria, de, no mínimo, 75 mil para sustentar o crescimento de 7,5% verificado no ano passado, conforme a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Para complicar, a evasão dos cursos é alta. Em Juiz de Fora, passa de 30%. Dos que seguem nas salas de aula até o final da graduação, nem 40% atuam no ramo em que se formaram. A reclamada falta de qualificação completa o quadro contrastante com a economia aquecida e a demanda crescente por este profissional, em função de grandes projetos na área de infraestrutura, como o pré-sal, a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Para o diretor da Faculdade de Engenharia da UFJF, Hélio Antônio da Silva, a questão central não é criar mais cursos ou vagas, mas reduzir a evasão, considerada elevada. Segundo ele, são vários os motivos que levam ao abandono da graduação. A formação deficitária na área de exatas na educação básica, que dificulta o acompanhamento do curso, é o principal problema. De acordo com Hélio, das 190 mil vagas para os cursos de engenharia oferecidas no país, pouco mais de 60% são preenchidas.
Na sua opinião, não há a "mínima condição" de a mão de obra existente hoje suprir os investimentos previstos para o país. " O Brasil cresceu, não se fez investimentos necessários em educação e faltou engenheiro. Não nos preparamos para isso."
O emprego em Engenharia foi tema de estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado este mês. "De uma forma generalizada, não é um problema quantitativo. O Brasil tem engenheiro em número suficiente para atender a demanda da indústria", atesta o pesquisador Paulo Meyer Nascimento. Para ele, pode existir escassez específica em algumas ocupações, como Engenharia Naval e de Telecomunicações. Para ele, a questão central é que pode estar faltando engenheiro com a qualidade de formação e as competências que o mercado demanda.
O pesquisador identificou, ainda, aumento dos custos das empresas, em função da necessidade de transferir mão de obra para regiões em desenvolvimento e treinar os mais jovens, diante da relativa escassez de profissionais mais experientes. A avaliação é que muitos teriam migrado para ocupações mais rentáveis, especialmente administração e economia, em função da estagnação nas décadas de 80 e 90. O aumento da proporção de engenheiros atuando na área e a evolução dos salários ante os demais profissionais são fatores já percebidos, que sinalizam aquecimento do mercado, diz. "A evolução pode estar indicando recuperação da atratividade da carreira."
Setor teme invasão de estrangeiros no mercado
O tema também foi discutido no Fórum de Debates do Sindicato dos Engenheiros de Minas Gerais (Senge-MG) realizado no dia 17. Para o presidente da entidade em Juiz de Fora, João Vieira de Queiroz Neto, a escassez é uma realidade local. Na cidade, o aquecimento da construção civil teria impulsionado a procura por estes profissionais. "Constantemente nos solicitam indicação, mas não temos. Quando aparece o candidato, não é bem qualificado." Uma preocupação é quanto à demanda provocada por Copa do Mundo e Olimpíadas no Brasil. Para João, se os profissionais não estiverem preparados e as entidades de classe, fortalecidas, o mercado pode ser "invadido" por profissionais estrangeiros. "É uma deficiência que precisamos corrigir."
O inspetor chefe em Juiz de Fora do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea), Silvio Rogério Fernandes, vê com bons olhos a abertura do mercado, mas se preocupa com o volume de profissionais vindos de fora. Ele cita como exemplo a China, que forma o dobro de engenheiros ante o Brasil e possui oferta abundante. "Há o risco de importação de projetos, com profissionais embutidos no pacote. A parte mais cerebral, mais exigente, pode não ficar conosco", preocupa-se.
"Estamos no melhor momento. Dificilmente vejo colegas de profissão desempregados. As empresas estão "roubando" profissionais umas das outras", avalia o engenheiro civil Vinícius David, que cresceu acompanhando o pai em canteiros de obra país afora e no exterior. Ao longo dos quatro anos de carreira, passou por três empresas. Há cerca de um ano, trabalha na Galvão Engenharia. "Ao meu ver, teremos, pelo menos, 15 anos de crescimento, impulsionados pelas obras do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), Olimpíadas e Copa do Mundo, além do pré-sal." De olho neste filão, o engenheiro está se especializando na área de óleo e gás. "Muitos dizem que é o futuro, mas penso diferente. Esta área já necessita de mão de obra especializada há mais de dez anos."
Só metade dos profissionais pode exercer profissão
Para o presidente do Sindicato dos Engenheiros de Juiz de Fora, João Queiroz, a falta de atrativo no município ainda é a remuneração. Segundo ele, enquanto o salário mínimo profissional equivale a R$ 4.600, o vencimento médio pago na Prefeitura é de R$ 1.800. "A remuneração para o serviço público está muito defasada." Na iniciativa privada, avalia o presidente, o piso seria respeitado. A briga pela equiparação salarial é antiga. A Prefeitura é considerada um dos principais empregadores da cidade. Dos cerca de cem profissionais nos seus quadros, entre 70 e 80 estariam em atividade. A Secretaria de Administração e Recursos Humanos foi procurada, mas não se posicionou sobre o assunto.
Para o inspetor chefe do Crea, a recuperação dos salários da categoria não tem acompanhado a demanda do mercado. "Em algumas regiões talvez sim, mas não é uma realidade local." Por esse motivo, muitos que formaram em engenharia continuam migrando para outras profissões, avalia Silvio. Pelas suas contas, dos cerca de dez mil engenheiros inscritos na inspetoria de Juiz de Fora, entre quatro e cinco mil estão em dia com o conselho, condição para o exercício da profissão.
O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), Leomar Delgado, discorda e considera que uma consequência direta da disputa por profissionais qualificados é o aumento dos ganhos. "Virou uma mercadoria rara." Diante da falta, diz, os empregadores estão absorvendo até profissionais sem experiência, dispostos a treiná-los no próprio canteiro de obras. De acordo com Leomar, há obras adiadas em função da falta de engenheiros, e a importação de mão de obra de outras regiões tem acontecido. Para o superintendente da Associação Brasileira de Construtores, José Irineu Teixeira Neto, não faltam só engenheiros, mas também mestres de obras, pedreiros e trabalhadores de toda a ordem em todo o país.
Cidade exporta talentos para o mundo
Enquanto a possibilidade de importação de mão de obra torna-se cada vez mais real, Juiz de Fora exporta talentos. O juiz-forano Carlos Almeida trabalha há seis meses na Dinamarca e pretende usar a experiência em uma empresa no segmento de energia eólica para voltar ao país com vantagem competitiva. Formado em engenharia mecânica pela Universidade Federal de São João Del Rei, pós-graduado em Métodos Estatísticos Computacionais pela UFJF e com gestão empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, Carlos estagiou na Cofab e na Mercedes-Benz e atuou como engenheiro na Becton Dickinson (BD). Foi encontrado por uma empresa de recrutamento suíça pela internet e ganhou a vaga na dinamarquesa Vestas Wind Systems A/S.
De longe, o engenheiro acompanha o mercado nacional e identifica aquecimento para profissionais qualificados. No exterior, pondera, o cenário é outro. "Após a crise econômica, o mercado para engenheiros ficou bem difícil." Na sua opinião, a versatilidade é um diferencial do profissional brasileiro. "Talvez pela estrutura organizacional deficiente na maioria das empresas no país, o profissional agrega à sua função o trabalho de outras." Como dica, recomenda fluência no inglês, "já que a maioria das grandes empresas tem se tornado globais".
Professor visitante da Universidade de Belgrado, na Sérvia, o engenheiro César Queiroz, também atua como consultor internacional e oferece suporte técnico no setor de estradas e infraestrutura de transportes em países, como Índia, Filipinas, Colômbia, Rússia, Ucrânia, Lituânia, Armênia, Azerbaijão, Noruega e Suécia. Ele lembra que, quando se formou (1967), o mercado de trabalho estava aquecido, a exemplo de agora. No currículo, César acumula experiência em quatro empresas, sendo a última, o Banco Mundial em Washington, onde trabalhou até 2006. "Na minha opinião, há grande carência de engenheiros qualificados no país."
Para quem está iniciando a jornada, César recomenda boa base teórica, adquirida nos banco da universidade, e atualização constante. Ele, por exemplo, cursou mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutorado (Ph.D.) na Universidade do Texas, nos Estados Unidos. "O conhecimento básico de topografia que adquiri na graduação foi fundamental para que pudesse desenvolver o meu trabalho de doutorado", dimensiona.
Fonte: Ces/jf
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