1 - K A I Z E N
Kaizen é uma palavra japonesa que significa mudança para melhor ou aprimoramento contínuo e que permeia toda a Administração Japonesa. Kaizen pode então, até servir de sinônimo de Administração Japonesa.
E a chamada Administração Japonesa de hoje, na realidade, é toda uma tradição de educação de berço do japonês, complementada por conhecimentos do management norte-americano a partir dos Anos 50. Em outras palavras, valores humanos japoneses complementados por conhecimentos técnicos em Administração norte-americanos, e aplicados em empresas japonesas.
Essa interação começou a acontecer a partir de 1950, não só em função de sua derrota frente aos Estados Unidos em 1945, mas principalmente com a adesão dos japoneses às práticas de negócios dos norte-americanos. Tanto é que em julho de 1950, “W. E. Deming foi convidado a ir ao Japão e ensinar o controle estatístico da qualidade em um seminário de oito dias, organizado pela JUSE”[1]. JUSE é a Japanese Union of Scientists and Engineeers, que juntamente com uma série de outras instituições em consonância com o governo e o povo japonês, promoveram a ascensão da economia japonesa.
Quatro anos mais tarde, em julho de 1954, foi a vez de J. M. Juran ser convidado a ensinar aos japoneses, por sua vez, a chamada Administração do Controle da Qualidade – segundo Masaaki Imai, “Essa foi a primeira vez que o CQ foi abordado a partir da perspectiva da administração total”2.
Os japoneses se maravilharam com as idéias de Juran e Deming porque elas se harmonizavam com o seu tradicional espírito de consenso de grupo, que remonta desde a época dos samurais:
1o. Para Juran, gerenciamento estratégico da qualidade “é uma abordagem sistemática para o estabelecimento e obtenção de metas de qualidade por toda a empresa”3. Isto é, qualidade é responsabilidade de todos em uma empresa, não só de um departamento específico de qualidade.
Juran |
2o. Para Deming, “O objetivo do administrador do sistema é o de otimizar o sistema como um todo. Sem uma administração do sistema visto como um todo, subotimizações certamente irão ocorrer. Subotimizações geram perdas”4. Isto é, qualidade é a empresa como um todo que a desenvolve, a partir do Ciclo de Controle de Deming, que é o famoso PDCA – Plan-Do-Check-Act ou Planejar-Executar-Comparar-Tomar Providências.
Deming |
E desde então, japoneses foram fomentando a idéia de TQC – Total Quality Control como um todo processo integrado, conforme “Deming enfatizou a importância da interação constante entre pesquisa, projeto, produção e vendas para a empresa chegar à melhor qualidade, que satisfaz os consumidores”5.
Então, Kaizen é um todo processo integrado de TQC – Total Quality Control de aprimoramento contínuo, que é a essência da Administração Japonesa. E os japoneses dão importância tanto a esse processo integrado, quanto ao resultado que se busca – o meio é tão importante quanto o fim. É tão importante fazer bem feito (eficiência) quanto obter o resultado certo (eficácia). Como disse certa vez Osho, grande promotor do auto-conhecimento, “a jornada é o próprio objetivo!”6. Ou seja, o segredo do resultado positivo está em trabalhar bem o processo que gera resultado. Ora, o resultado é uma coisa estática e o processo é toda uma vida dinâmica de trabalho colaborativo entre pessoas usufruindo e compartilhando coisas, que deve ser muito bem vivido. Para os japoneses é isso aí: é muito importante ganhar dinheiro, mas trabalhando e vivendo de forma mais satisfatória possível, unindo o útil ao agradável – afinal, passamos mais de um terço de nossas vidas trabalhando. Esta é a essência da Administração Japonesa chamada Kaizen: buscar ao mesmo tempo resultado e processo em busca desse resultado.
Para buscar resultado, na empresa todos devem ter objetivo e missão comuns. Mas ao mesmo tempo, durante o período de trabalho devem trabalhar e viver de forma mais equilibrada e satisfatória possível. Porque trabalhando e vivendo de forma mais equilibrada e satisfatória possível, tende-se a aumentar a produtividade e melhorar a qualidade, que por sua vez, tende à conquista do resultado positivo no mercado. Ora, trabalha-se e vive-se de forma mais equilibrada e satisfatória possível, se pelo menos três quesitos forem atendidos:
1o. Estabilidade financeira e emocional ao empregado – daí porque empresas japonesas ainda hoje procuram manter o emprego vitalício, para principalmente, evitar preocupações de sobrevivência e sustento da família. Para tanto, é necessário que todos tenham consciência de que, a empresa como um todo, deverá obter resultado positivo.
2o. Clima Organizacional agradável – japoneses “forçam a barra” para que todos se dêem bem e vivam em harmonia entre os desiguais e os contrários – eles dizem natural e sutilmente gaman sena iken, ou seja, tem que agüentar. Desde a remota era dos primeiros samurais em torno dos anos 700, conforme relata Ferri de Barros7, os japoneses pela forte influência da cultura chinesa e principalmente, de Lao Tse8 e Confúcio9, promovem o espírito wa – a harmonia. Harmonia em tudo. Harmonia entre os desiguais, harmonia entre os contrários. Harmonia entre o Bem e o Mal. Harmonia entre a alegria e a tristeza. Harmonia entre a bem-aventurança e a desgraça. Sobretudo, harmonia entre pessoas. Não é à toa que empresas japonesas maravilham-se com preceitos tayloristas como “cooperação, não individualismo” e “harmonia, em vez de discórdia”10. Não só Taylor como também Fayol é muito bem-vindo aos anseios japoneses porque este promove ordem, disciplina, subordinação do interesse particular ao interesse geral, eqüidade e união do pessoal, dentre outros princípios gerais de Administração11.
3o. Ambiente simples, funcional e agradável – é aqui que se inserem os tão chamados 5 “S” da Administração Japonesa.
2 - OS 5 S
Os 5 “S” são as iniciais de 5 palavras japonesas Seiton, Seiri, Seiso, Seiketsu e Shitsuke, que estão intimamente relacionados com wa – harmonia, como se percebe a seguir.
Mas antes, atenção: wa, para orientais, não significa todo mundo dizendo sim para todo mundo; wa considera indispensavelmente o não; é importante ter o não para existir o debate e a troca de idéias antagônicas, para que por fim, chegue-se num consenso onde todos tenham a consciência de que tomarão a melhor decisão para todos – de tal sorte que, se tudo der errado após essa tomada de decisão, todos tenderão a ter consciência de que algo não se harmonizou entre os participantes; entre os participantes e o grupo; entre o grupo e o Todo Universal; e entre os participantes e o Todo Universal. Na pior das hipóteses, se conformarão: tinha que ser assim, alguém tinha que errar, mesmo porque, quem trabalha, erra! E se porventura obtiverem sucesso, todos comemorarão de forma alegre, mas sutilmente: Banzai!
1. SEITON significa providenciar a ARRUMAÇÃO e deixar tudo em ORDEM – todos os materiais (sejam quais forem) necessitam ser mantidos em ordem, para que possam ser encontrados de imediato e estejam prontos para uso sempre que necessários. Deixar as coisas no lugar certo, para não se perder tempo e gastar energia desnecessária, procurando-as.
2. SEIRI significa evitar o DESNECESSÁRIO – separar o desnecessário do necessário, e guardá-lo num lugar que lhe é próprio, para que não atrapalhe a rotina de trabalho ou qualquer outra atividade. Disponibilizar as coisas realmente necessárias ao trabalho e aquelas desnecessárias guardá-las ou “passá-las para frente”. Guardá-las, porque futuramente poderão ser necessárias; “passá-las para frente” (doar) porque aquilo que é desnecessário para um, pode ser útil para outro.
3. SEISO significa manter sempre LIMPO – o local de trabalho ou qualquer outro lugar, com tudo em ordem e somente com o necessário, para que a sujeira não atrapalhe a produtividade nem provoque má qualidade na produção.
4. SEIKETSU significa manter a HIGIENE – tornando o ambiente saudável e agradável para todos.
5. SHITSUKE significa DISCIPLINA – não só aprender e seguir os princípios anteriores como hábitos salutares e invioláveis, como também se educar com caráter reto, firme e honrado, para vencer na vida.
“A palavra “disciplina” basicamente significa capacidade de aprender, daí a palavra “discípulo”12. Daí, temos de cada vez mais nos disciplinar em SEITON, SEIRI, SEISO e SEIKETSU, como também formar um caráter reto, firme e honrado continuamente. Mediante um código de princípios morais denominado Bushido (pronuncia-se Bushi-dô) o samurai autodisciplinava-se e auto-aprimorava-se continuamente. Registre-se aqui de passagem, que o Bushido jamais foi escrito, apenas “consiste de umas poucas máximas transmitidas de boca em boca”13, de forma pessoal, muito simples e bem caseira, própria da cultura japonesa.
Musashi (1584-1645) o maior espadachim japonês, é um dos raros samurais que deixou uma obra escrita – Gorin no Sho que foi traduzido para o inglês como A Book of Five Rings e deste para o português, como Livro de Cinco Anéis14.
Neste livro Musashi conta suas estratégias vencedoras e daí, seu grande sucesso perante norte-americanos na década de 70, que o promoveram a bestseller mundial em estratégias de negócios.
Miyamoto Musashi |
3 - A MULHER E OS 5 S
Nestes 5 S o papel da mulher é e foi fundamental e preponderante desde os primeiros samurais.
Samurais saiam de casa para servir ao seu senhor feudal e como militares, viviam guerreando por aí e acolá. Cabia à mulher não só cuidar dos filhos, como também providenciar afazeres domésticos e manter toda a integridade da casa e do lar – na prática, fazia de tudo e bem mais que um samurai. Educava os filhos sob espírito familiar no lar, e mantinha em perfeita ordem a casa. Além disso, a mulher de um samurai era versada em Yawara (arte marcial de mãos vazias) e Kenjutsu (arte marcial de katana), como também sabia manejar naginata (pronuncia-se na-gui-nata), e tanto (pronuncia-se tan-tô) para defesa pessoal, na ausência do marido.
Tanto é um punhal – que servia para o ritual de suicídio chamado de seppuku ou harakiri – e samurais carregavam-no na cintura juntamente com wakizashi (uma katana menor) e katana (pronuncia-se cataná), a famosa espada do samurai. Saiba mais em Wikipédia – http://pt.wikipedia.org/wiki/Katana. Já a naginata é uma lança de uns 2 metros com uma lâmina cortante em uma das pontas, muito praticada tanto pelas mulheres quanto pelos monges budistas da época – até hoje no Japão, quem mais pratica naginatajutsu (a arte marcial da naginata) são as mulheres. Saiba em detalhes no Naginata Home Page – www.naginata.org.
Nitobe, nascido em 1862 e filho de um dos últimos samurais, retrata que a própria mulher do samurai o disciplinava recriminando severamente, caso ela percebesse que o interesse do guerreiro por ela lhe fizesse esquecer seus deveres em relação aos preceitos do Bushido15.
4 - OS PRIMEIROS IMIGRANTES JAPONESES NO BRASIL E OS 5 S
Só mesmo uma mulher, com seu senso estético e sua sutil sensibilidade, poderia ter contribuído para “criar uma sociedade bonita, em criar belos relacionamentos – em tudo, em cada detalhe –, em lhes dar um significado. As casas japonesas são bonitas. Mesmo a casa de uma pessoa pobre tem sua beleza própria; é artística, tem sua própria singularidade. A casa pode não ser muito suntuosa, mas ainda assim, em um certo sentido, é rica por causa da beleza, da disposição das coisas, por causa da mentalidade com que foi planejado cada pequeno, mínimo detalhe”16, pegando emprestado o lindo fragmento de Osho, para completar este meu texto.
Os brasileiros também ficaram profundamente admirados com os primeiros imigrantes japoneses que aqui aportaram. Senão, analisemos o jornal paulistano Correio Paulistano que em 25 de junho de 1908, 6 dias após o desembarque dos primeiros imigrantes japoneses, no porto de Santos, assim noticiava:
“Depois de estarem uma hora no refeitório, tiveram de abandonal-o para saberem quaes eram as suas camas e os quartos, e surprehendeu a todos o estado de limpeza absoluta em que ficou o salão: nem uma ponta de cigarro, nem um cuspe, perfeito contraste com as cuspinheiras repugnantes e pontas de cigarros esmagadas com os pés dos outros imigrantes. Têm feito as suas refeições sempre na melhor ordem e, apesar de os últimos as fazerem duas horas depois dos primeiros, sem um grito de gaiatice, um signal de impaciência ou uma voz de protesto”17.
Está mais do que claro que esses primeiros imigrantes japoneses trouxeram ao Brasil, já em 1908, a legítima e castiça Cultura dos 5 “S”. Os isseis (os primeiros imigrantes japoneses) trouxeram para cá os antigos valores do Bushido, bem como as sutilezas cultivadas pela mulher do samurai no interior da casa e no seio do seu lar, onde a mulher sempre exerceu o papel fundamental e preponderante.
Mesmo em situações extremamente adversas, nos seus primeiros anos no Brasil, os primeiros imigrantes morando em casas de pau a pique e de chão batido, perseveraram nos 5 “S” com muita retidão e firmeza de caráter, honrando os preceitos morais do Bushido, na base de muita disciplina – SHITSUKE.
BANZAI!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1]IMAI, Masaaki. Kaizen – A Estratégia para o Sucesso Competitivo. São Paulo: IMAM,1992, p. 10.
2IMAI, Masaaki. Kaizen – A Estratégia para o Sucesso Competitivo. São Paulo: IMAM,1992, p. 11.
3JURAN, J. M. Juran na Liderança pela Qualidade. São Paulo: IMAM,1990, p. 179.
4DEMING, W. Edwards. Qualidade: a Revolução da Administração. São Paulo: Marques-Saraiva,1990, p. XIX.
5IMAI, Masaaki. Kaizen – A Estratégia para o Sucesso Competitivo. São Paulo: IMAM,1992, p. 9.
6OSHO. A Sabedoria das Areias. São Paulo: Gente, 1999, p. 100.
7FERRI DE BARROS, Benedicto. Japão – A Harmonia dos Contrários. São Paulo: T. A. Queiroz, 1988, p. 159-161.
8LAO TSE. Tao Te Ching. São Paulo: Martin Claret, 1985.
9FINGER, Charles J. A Essência da Sabedoria de Confúcio. São Paulo: Ediouro, 1980.
10TAYLOR, Frederick Winslow. Princípios de Administração Científica. São Paulo: Atlas, 1985, p. 126.
11FAYOL, Henri. Administração Industrial e Geral. São Paulo: Atlas, 1984, p. 46-67.
12OSHO. A Sabedoria das Areias. São Paulo: Gente, 1999, p. 84.
13NITOBE, Inazo. Bushido – Alma de Samurai. São Paulo: Tahyu, 2005, p. 11.
14MIYAMOTO, Musashi. Um Livro de Cinco Anéis. São Paulo: Ediouro, 1984.
15NITOBE, Inazo. Bushido – Alma de Samurai. São Paulo: Tahyu, 2005, p. 99.
16OSHO. Zen – sua História e seus Ensinamentos. São Paulo: Cultrix, 2004, p. 15.
17RODRIGUES, Ondina Antonio. Imigração Japonesa no Brasil. São Paulo: Memorial do Imigrante, 2006, p. 13-14.
DEDICATÓRIA
1. É oferecido a Elaine e Pedro Abramides, como sinal de gratidão por interesse, força e torcida que eles sempre têm me creditado, desde que nos conhecemos pessoalmente na UVB - Universidade Virtual Brasileira, em junho de 2006.
2. É em louvor a todos imigrantes japoneses, que com sangue, suor e lágrimas trabalharam arduamente mas não conseguiram retornar ao Japão como sonharam, mas em compensação proporcionaram a seus filhos viverem mais dignamente em uma terra promissora tanto é que, comemoraremos em grande gala os 100 Anos de Imigração Japonesa, em 2008.
Copyright@KoitiEgoshi, 8 de agosto de 2006
Koiti Egoshi é Doutor em Administração pela World University–USA; Mestre em Organização, Planejamento e Recursos Humanos pela EAESP/FGV–Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas; Pós-Graduado Lato Sensu em Análise de Sistemas pela FECAP – Fundação Escola do Comércio Álvares Penteado; Administrador de Empresas pela FEA/USP – Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo.
Professor de conteúdo e-Learning em Administração, Tecnologias da Informação e Internet; Professor de Graduação e Pós-Graduação em Administração, Metodologia Científica, Tecnologias da Informação e Internet.
Contato: consulting@egoshi.com.br
Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte
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